Por Fabiano Bó* – No coração da Amazônia, onde a distância não se mede apenas em quilômetros, mas na dificuldade em fazer chegar as políticas públicas, desafios logísticos e tempo social perdido, pulsa um Brasil profundo que insiste em resistir ao esquecimento. Em cada margem de rio, em cada comunidade isolada, a ideia de nação é testada em sua forma mais crua. Quando o Estado escolhe se fazer presente, não apenas com estruturas, mas com inteligência, respeito e constância, ele deixa de ser uma abstração para se tornar concreto. A edição 2025 do Projeto Rondon no Amazonas é um exemplo vigoroso dessa presença transformadora.
Durante o mês de julho, mais de 260 rondonistas, entre professores e universitários de 26 instituições de ensino superior, atuaram em treze municípios amazonenses: Amaturá, Anori, Atalaia do Norte, Autazes, Caapiranga, Careiro da Várzea, Envira, Manaquiri, Pauini, Santa Isabel do Rio Negro, Santo Antônio do Içá, São Paulo de Olivença e Tabatinga. Ao todo, foram promovidas mais de 1.200 ações e oficinas em áreas essenciais como educação, saúde, meio ambiente, cultura, cidadania e tecnologia. A estimativa de alcance gira em torno de 356 mil pessoas impactadas direta ou indiretamente. Embora os números impressionem, o valor real da missão está no gesto de ir, ouvir, compartilhar saberes e reconstruir vínculos com comunidades historicamente esquecidas.
Operar uma missão dessa magnitude na Amazônia exige muito mais do que intenção. A complexidade logística da região impõe desafios severos, que só são superáveis por meio de uma coordenação articulada entre entes federais, estaduais e municipais. A atuação das Forças Armadas, com sua expertise em mobilização, transporte e segurança, foi decisiva para que os voluntários chegassem aos destinos com eficiência. A estrutura logística do Ministério da Defesa se somou à sensibilidade das universidades e ao apoio operacional dos governos locais. No caso do Amazonas, a contribuição de diferentes pastas estaduais foi fundamental para que a operação ocorresse com fluidez, discrição e foco nos resultados. À Casa Militar coube a missão de articular esse esforço, garantindo a interlocução institucional, o suporte estratégico e a salvaguarda das equipes.
É preciso destacar que o verdadeiro êxito do Projeto Rondon não está apenas na execução eficiente das atividades, mas no que ele representa para o Brasil. O Rondon é mais do que uma ação. É uma política pública em movimento, com capacidade real de integrar juventude universitária, conhecimento técnico e realidades diversas. Para os estudantes, é uma experiência de formação humana que transcende a teoria e transforma a percepção sobre o país. Para as comunidades, é um gesto de escuta e pertencimento. Para o Estado, é a chance de se reaproximar de brasileiros que ainda vivem à margem do desenvolvimento nacional.
Em tempos marcados por polarizações e discursos rasos, o Projeto Rondon reafirma uma agenda de país que dialoga com o que há de mais estruturante: o compromisso com a cidadania. Ao promover o encontro entre o Brasil urbano e o Brasil amazônico, entre saberes acadêmicos e saberes tradicionais, ele sinaliza caminhos concretos para uma nação mais coesa e menos desigual. Não se trata de idealismo. Trata-se de estratégia, inteligência institucional e sensibilidade cívica.
A operação de 2025 revelou mais uma vez que onde o Estado escolhe estar com consistência, ele transforma. A ponte a que me referi no encerramento da missão é mais do que uma metáfora. É uma decisão. É a escolha de superar distâncias geográficas e simbólicas, de não tratar o Norte como exceção, de afirmar a presença pública onde historicamente reinou a ausência.
O Brasil precisa de mais ações como o Projeto Rondon. A Amazônia não pode esperar iniciativas episódicas nem discursos de ocasião. O que ela precisa é de continuidade, escuta ativa e políticas sob medida. O que ela exige é presença. E o que ela merece é respeito.
A operação chegou ao fim, mas seu legado continua a reverberar nas comunidades, nas universidades e, sobretudo, na consciência de que o Brasil só será inteiro quando chegar a todos. Onde há ponte, há caminho. E o caminho certo é aquele que leva o país ao encontro de si mesmo.
*Coronel da Polícia Militar, especialista em Política e Estratégia (ADESG) e secretário de Estado Chefe da Casa Militar do Amazonas.