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Amazônia estratégica: o açaí como ativo global do século XXI

Por Fabiano Bó* – Poucos frutos simbolizam tão bem a intersecção entre natureza, economia e saúde quanto o açaí. De alimento tradicional de comunidades amazônicas, ele passou a ocupar espaço de destaque nos mercados internacionais, sendo reconhecido como superalimento e protagonista em pesquisas científicas. Essa ascensão global transformou o açaí em ativo estratégico da bioeconomia, atraindo a atenção de investidores, indústrias e consumidores em países da Europa, nos Estados Unidos e na Ásia. No Brasil, o Pará consolidou-se como líder, responsável por cerca de 90% da produção, enquanto o Amazonas assumiu posição de destaque como segundo maior produtor, respondendo por aproximadamente 7,4% do total nacional, segundo a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa, 2023).

No Amazonas, a presença do açaí começou com a coleta tradicional da espécie Euterpe precatoria por povos indígenas e comunidades ribeirinhas. A partir dos anos 2000, surgiram os primeiros cultivos tecnificados, especialmente em municípios como Humaitá, com a introdução da espécie Euterpe oleracea. Os produtores desenvolveram seus próprios experimentos de espaçamento e seleção, abrindo caminho para o que hoje se consolidou como uma cadeia produtiva robusta. Essa estrutura envolve desde viveiros de mudas até beneficiamento industrial, com apoio de instituições como o Idam (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas), a Sepror (Secretaria de Produção Rural do Amazonas), a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que oferecem assistência técnica, políticas de incentivo, pesquisa científica e suporte logístico. Essas entidades desempenham papel importante, fazendo parte de um ecossistema amplo de produtores, associações, cooperativas e empresas públicas e privadas que impulsionam o setor.

Essa cadeia não se limita à produção do fruto. Há toda uma rede de ramos econômicos voltados ao substrato do açaí, incluindo o desenvolvimento de novas genéticas, o fortalecimento de viveiros, a industrialização em polpas, sorvetes e derivados, além da logística que conecta a floresta aos grandes centros de consumo do Brasil e do exterior. Programas como o Projeto Prioritário do Açaí (PP Açaí) e a Política de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio) reforçam a importância desse arranjo produtivo, garantindo segurança e renda a milhares de famílias. Municípios como Codajás, Humaitá, Manacapuru, Itacoatiara, Parintins, Carauari, Anori e Anamã, destacam-se como polos de produção, evidenciando a força regional do cultivo e sua relevância no desenvolvimento econômico.

Exemplo emblemático desse avanço é a Fazenda Açaizal, em Humaitá, onde o produtor Giuliano Quintino dos Santos iniciou, em 2003, uma propriedade de 400 hectares, dos quais 80 destinados ao açaí. Com espécies precatoria e oleracea, a área já passa por renovação, substituindo plantas de 20 anos por novas genéticas mais produtivas. Pioneiro em uma época sem referências técnicas, Giuliano contribuiu para a adaptação do cultivo no Amazonas. Sua produção abastece estados vizinhos como Rondônia e Acre com fruta in natura, enquanto polpa, açaí processado e sorvetes seguem para Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e também para o próprio Amazonas, consolidando-se como um dos maiores empreendimentos do setor no estado.

Além de seu valor econômico, o açaí se destaca pelos benefícios à saúde. Rico em antocianinas e antioxidantes, auxilia na proteção cardiovascular, reduz níveis de colesterol LDL e fortalece o sistema imunológico. É fonte de energia, fibras, minerais e gorduras insaturadas, fatores que justificam sua crescente valorização como alimento funcional e de alta qualidade nutricional. Essa combinação de tradição alimentar e ciência moderna fortalece o posicionamento do fruto no mercado e contribui para o aumento contínuo da demanda em escala global, tornando-o cada vez mais presente no cotidiano de diferentes públicos.

A contribuição científica para o desenvolvimento do açaí no Amazonas é significativa. A Embrapa tem sido fundamental nesse processo, com destaque para o pesquisador Edson Barcelos. Com experiência em agronomia e especialização em dendêicultura e cultura do açaí, Barcelos tem atuado em diversas frentes de pesquisa, incluindo o melhoramento genético e a adaptação do cultivo às condições locais. Em parceria com outras instituições, ele tem promovido ações de transferência de tecnologia e capacitação de produtores, visando à sustentabilidade e competitividade da cadeia produtiva do açaí.

O açaí representa, no Amazonas, muito mais do que um fruto: é símbolo de identidade cultural, motor de desenvolvimento sustentável e ativo estratégico da bioeconomia. Ao articular tradição extrativista, inovação tecnológica e valorização internacional, o estado projeta sua relevância para além da floresta. A força do açaí demonstra que a Amazônia não é apenas guardiã da biodiversidade, mas também protagonista de soluções que unem saúde, economia e futuro. O vigor dessa cadeia produtiva revela um horizonte onde tradição e inovação caminham juntas, confirmando o açaí como um patrimônio da Amazônia com alcance verdadeiramente global.

*Coronel da Polícia Militar, especialista em Política e Estratégia (ADESG) e secretário de Estado Chefe da Casa Militar do Amazonas.

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